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QUINTA MISSÃO: Leitura coletiva da obra “O cão dos Baskerville”, de Sir Arthur Conan Doyle

Estávamos sôfregas por iniciar o desenvolvimento do nosso ousado projeto com a leitura da obra O cão dos Baskerville, de Sir Arthur Conan Doyle. Porém, antes do início, precisaríamos resolver o primeiro impasse: como os alunos teriam acesso à obra? Ainda que, na fase inicial do planejamento, já tivéssemos providenciado exemplares físicos, a nova realidade nos impôs uma logística inviável. Entregar os livros na casa de cada um dos alunos demandaria tempo e recursos financeiros que não dispúnhamos no momento. Era preciso pensar em uma alternativa plausível, de acordo com as limitações impostas pelo período e com os recursos que tínhamos disponíveis.

Assim, nos valendo mais uma vez da condição privilegiada de nossos alunos, logo surgiu a ideia da utilização da plataforma de leitura digital “Árvore Livros”, com acesso disponível a todos os estudantes do colégio[1]. Presente em algumas escolas e bibliotecas do país, essa biblioteca digital disponibiliza um grande e diversificado acervo em uma plataforma gamificada acessível nos mais diversos tipos de dispositivos eletrônicos. Além disso, relatórios são disponibilizados aos educadores com o intuito de ajudar nas intervenções com os alunos.

A versão de O cão dos Baskerville disponível na Plataforma Árvore Livros.

Ao ver havia uma edição da obra de Conan Doyle escolhida disponível na plataforma , partimos para uma análise daquela tradução. Ficamos aliviadas e gratas ao constatar a qualidade da versão disponível na plataforma e pela possibilidade de manter a seleção inicial para o desenvolvimento do projeto. Assim, sem mais atrasos, poderíamos dar sequência ao nosso plano.

No dia marcado para o encontro, o primeiro passo foi apresentar a plataforma e seus recursos para os alunos. A ferramenta tinha sido recentemente implementada na escola e os estudantes ainda não tinham familiaridade com aquele instrumento de ensino. Analisamos juntos passo a passo o caminho para a realização de leituras naquele local.

Em seguida, foi apresentado aquele que seria o manual de instruções para que pudéssemos explorar o jogo indicado na última aula. Projetando na tela do Google Meet a página da plataforma, ao acessar o livro O cão dos Baskerville, dois alunos falaram já ter lido a obra. Contudo, ainda assim estavam empolgados, pois consideravam aquele livro “muito bom”.

Antes do início da leitura, foi proposto que brincássemos um pouquinho. Através da leitura prévia da obra, selecionamos os vocábulos que, ao nosso ver, poderiam suscitar algum tipo de dúvida. A partir dessas observações, inicialmente, foram propostos três jogos[2] de associação de imagens. Ainda que fossem atividades simples, foi possível analisar alguns conceitos importantes para leitura do capítulo, como charneca e solar.

Tal estratégia gamificada vai ao encontro de importante reflexão de Kleiman (2009): o compromisso do ensino é com o enriquecimento do vocabulário, não com o cumprimento de atividades de busca ao dicionário. Desta forma, o trabalho com o contexto se faz primordial e uma profícua tarefa, uma vez que a partir da interação com o texto, valendo-se do seu próprio repertório, o aluno tem a possibilidade de ampliar o seu léxico e, dessa forma, ter subsídios para desenvolver um fluxo contínuo de leitura. Não obstante, reconhecemos esta ser, talvez, a mais desafiante missão durante o processo de letramento literário.

Seguimos com a leitura coletiva do primeiro capítulo, ao passo que, aleatoriamente, cada aluno abria o microfone e lia um pequeno trecho. Mas, logo nas primeiras linhas, confirmando nossas suspeitas iniciais sobre os prováveis entraves na leitura, os alunos fizeram várias perguntas sobre o vocabulário, que foram sendo respondidas pela docente à medida que surgiam.

Através de nossa parede investigativa no Padlet, os alunos também tiveram acesso ao “Termômetro literário”. A eles foi indicado que o arquivo poderia ser utilizado virtualmente, no formato impresso ou ainda reproduzido em sua própria versão manual. Pretendíamos, através do termômetro, avaliar o andamento das leituras por meio dos graus pintados no arquivo. A ferramenta, utilizada por pouquíssimos alunos, não conseguiu atingir o objetivo de sua proposta.

Na semana seguinte, relembramos o primeiro capítulo através das imagens de Sidney Paget (IMAGEM 12), o primeiro e prolífico ilustrador britânico das histórias do grande detetive de Baker Street. Através das imagens, os alunos foram evocando as cenas e apresentando, para aqueles que não estavam presentes no último encontro, o início da história que nos acompanharia pelas próximas semanas.


Desenhos de Sidney Paget organizadas em slide para apresentação aos alunos.

Além disso, após o momento de rememoração, um dos alunos sugeriu a criação de uma linha do tempo em que, capítulo a capítulo, um voluntário registraria um breve resumo do que tinha sido lido. Imediatamente, acatamos a louvável sugestão e afirmamos que o espaço seria providenciado para a próxima aula.

Prosseguimos, então, com a análise do vocabulário por meio de um “Jogo da Memória” com sinônimos. Cada conjunto de palavras estava representado com a mesma fonte e cor. A cada rodada, os alunos seguiam buscando, a princípio, cartas com programação visual idênticas. Contudo, de maneira lúdica, mesmo não reconhecendo imediatamente uma expressão com sentido semelhante ao do termo aberto, ao identificar seu par, os alunos começaram a perceber que as palavras diferentes indicavam termos já conhecidos por eles. Através da associação, os alunos foram conseguindo ampliar o seu repertório vocabular.

Após o jogo, optamos por novamente fazer a leitura da história de Hugo Baskerville, trecho apresentado no segundo capítulo, que nos apresenta a lenda do temível cão. Confusos com a profusão de personagens, fomos interrompendo a leitura e analisando as ligações entre eles.

No final do horário, na “Parede de Investigação” no Padlet, foi proposta uma carta-desafio que deveria ser desvendada mediante a análise da obra e decodificação da mensagem. A única pista dada foi que o conteúdo da carta tinha relação com os capítulos que tínhamos finalizado. Também foi indicado que, no decorrer da leitura da obra, novos enigmas seriam propostos e, no final, aquele que conseguisse desvendar mais cartas, ganharia sua credencial como investigador. Provocados pela missão, o primeiro enigma foi esclarecido em menos de dois dias.

Novamente, foi pedido que os alunos fizessem a leitura prévia dos capítulos 03 e 04 para a próxima aula.

Nesse ínterim, a linha do tempo foi providenciada também através do Padlet. Acordou-se que a professora ficaria responsável por postar na página as imagens usadas nos momentos de flashback da obra e voluntários registrariam os resumos por capítulo. Para maior organização, nesta aula, fizemos uma lista com os responsáveis por cada trecho.


Linha do tempo para acompanhamento da leitura criada coletivamente no Padlet.

Durante todo o percurso de leitura, esse recurso se mostrou uma valorosa ferramenta que instigava a curiosidade dos alunos, principalmente daqueles que diziam ter “preguiça de ler”. Como os resumos eram feitos após a nossa aula virtual, percebeu-se o gosto dos alunos por conseguir indicar que realmente tinham realizado a leitura. Através de seus escritos, notou-se que o objetivo não era simplesmente resumir trechos, nem facilitar a leitura dos colegas. Com suas palavras, procedeu-se com a apresentação dos pontos principais, contudo sem detalhar muito. E na ausência de detalhes, através de seus relatos, percebemos que, aqueles que buscavam os primeiramente os resumos, procurando analisar pistas não indicadas pelos colegas, sentiam necessidade de ler o trecho na integra.

Na quarta, quinta e sexta semanas, continuamos seguindo com a sequência das aulas anteriores: os alunos realizavam a leitura prévia dos capítulos, indicados na aula anterior; durante o encontro virtual, relembrávamos a história por meio das imagens de Sidney Paget; em seguida, utilizávamos os jogos para trabalhar com possíveis dúvidas lexicais; e finalizávamos com as cartas-desafio disponibilizadas no mural do Padlet.

Na sexta semana, sabendo do espírito competitivo da turma, apresentamos a nossa “Casa de Apostas”. Criada no Google Forms e substituindo o marca-páginas planejado inicialmente, o formulário permitia que, a partir das pistas encontradas e indicadas na página, os investigadores literários fizessem as suas apostas sobre quem seria o verdadeiro assassino de Charles Baskerville. Durante as semanas seguintes, alguns alunos resolveram arriscar e, no final da leitura, tivemos sete apostas certas.

Estávamos empolgadas com o desenvolvimento do projeto, mas, com nossa experiência em sala de aula, compreendíamos que a tarefa de realizar leituras de obras literárias com adolescentes requer muita criatividade, persistência e boa vontade. Mesmo com uma turma que já demonstrava interesse pela leitura literária, era preciso desmitificar a leitura de livros consagrados.

O vocabulário foi trabalhado semanalmente com atividades diversificadas (caça-palavras, testes de múltipla escolha, jogos com organização de sílabas, entre outros). Com o passar do tempo, notamos, porém, que, talvez pela atribulada rotina durante período de aplicação de provas, os alunos começaram a demonstrar certa falta de interesse. A indisponibilidade para leitura prévia nos conduziu para leituras durante as reuniões.

Ademais, o jogo Sherlock Holmes: O cão dos Baskerville, desenvolvido pela Alawar Entertainment, não empolgou. Mesmo afirmando que game apresentava mistérios e instigantes desafios, os alunos raramente sinalizavam acessar o jogo.

Afetados pelo longo período de isolamento e restrições, repletos de eventos on-line e atividades de todos os tipos a serem desenvolvidas no meio digital, estávamos todos apresentando vários sinais esgotamento mental.

Contudo, uma mensagem recebida pelo WhatsApp, recebida aleatoriamente em um domingo, clareou o nosso horizonte. Em sua breve notificação, o aluno relatou ter passado por uma “experiência gratificante” durante algumas partidas de um jogo chamado Among Us (traduzido livremente como “Entre Nós”). Na busca por tentar descobrir quem era o impostor, ele teria lembrado e usado a técnica de Sherlock Holmes. Entre os jogadores, chamou um amigo que, naquele contexto, seria o seu Watson. Juntos, analisando as pistas deixadas pelos outros jogadores, ele finalizou dizendo ter se sentido feliz por poder ser o detetive inglês, mesmo que por um breve espaço de tempo.

Ainda que já tivéssemos ouvido falar sobre a nova moda, sem entender muito bem sobre o que se tratava, procuramos pesquisar sobre o assunto e conversar com os alunos sobre o tema. Aparentemente, a premissa do premiado jogo[3] de sobrevivência era simples. Ambientado no interior de uma nave espacial, em equipes com até dez jogadores, três são indicados pelo sistema aleatoriamente como impostores. Enquanto realizam a manutenção da nave, os impostores devem sabotar e assassinar os demais participantes sem serem descobertos. Ao encontrar um corpo, os jogadores têm a oportunidade de convocar uma votação de emergência no intuito de localizar os culpados. A partida será encerrada quando os impostores são descobertos, todos os objetivos da nave são concluídos ou quando o impostor consegue eliminar todos os adversários.

Após cair nas graças do público, a SuperData, empresa especializada em pesquisa e consultoria relacionadas aos games, afirmou que, em novembro de 2020, com mais de meio bilhão de jogadores ativos em todo o mundo, Among Us assumiu o posto de jogo mais popular da história em termos de jogadores ativos mensais.

A breve pesquisa nos ajudou a entender por que um jogo aparentemente tão comum chamava tanto atenção, especialmente de nossos alunos. E mais ainda: por que o jogo selecionado para o nosso estudo, com uma temática semelhante e, aparentemente, mais intrigante, não encontrou o mesmo espaço.

Among Us apresenta um formato cross-platform, em que é possível jogar com pessoas utilizando diferentes plataformas (celulares e/ou computadores). Nessa perspectiva multiplayer, os desafios na narrativa surgem a partir da interação, do compartilhamento, das ações e troca entre as pessoas. Ao passo que, Sherlock Holmes: O cão dos Baskerville, desenvolvido pela Alawar Entertainment, é um jogo single-player, em que o único jogador humano interage apenas com a máquina.

Nesse sentido, Among Us encontra-se em consonância com um dos maiores anseios da atualidade: convívio, diálogo com outros indivíduos, mesmo que de forma remota. Assim, valendo-se da nossa capacidade de adaptação, a intenção foi fazer com que o jogo se tornasse nosso aliado na busca pela concretização de nosso plano. Mais uma vez, nosso plano foi ajustado.

Com a movimentação de final de ano se aproximando e passando por outro período de atividades avaliativas, a maior parte das leituras continuou acontecendo durante nossos encontros virtuais. Contudo, a partir sétima semana, a previsão era de que as dúvidas sobre o vocabulário começassem a se tornar mais escassas. Assim, os inéditos questionamentos que surgiam pontualmente ou na reincidência de palavras já abordadas, procurávamos uma abordagem reflexiva do termo, no intuito de compreender, de forma coletiva, a partir do contexto. Além disso, as cartas-desafio continuaram provocando a curiosidade de nossos alunos. Ao final de cada etapa de leitura, os alunos se mobilizavam para decodificar as mensagens o mais rápido possível.

Porém, durante os próximos três encontros, foi separado um momento para que pudéssemos jogar Among Us juntos. Começamos a trabalhar com o método dedutivo de Holmes, analisado durante nossas leituras, objetivando encontrar os impostores que se encontravam entre nós durante cada rodada. Esses momentos de troca durante as partidas foram extremamente valiosos, pois ressignificaram a experiência da leitura não só do livro, mas também da leitura da narrativa apresentada pelo jogo.


Imagem da tela inicial de uma partida do jogo Among Us.

Finalizando esta etapa, mesmo ainda não tendo encerrado a aplicação do plano de intervenção, não podemos deixar de destacar ter sido esse um extenuante processo. Em um contexto escolar, especialmente no tocante à leitura, motivar nossos jovens alunos nunca se mostrou ser uma tarefa muito fácil. Porém, com a pandemia, essa operação se tornou ainda mais complicada. Com o desenvolvimento de atividades de forma remota, ainda que pudéssemos contar com diversos recursos tecnológicos, especialmente durante a leitura, sentimos falta da observação direta, de sentir as emoções, da conversa informal pelos corredores da escola que, em muitos momentos, nos fornecem um olhar muito mais real sobre aquilo que está sendo proposto.

[1] O “Sistema Positivo de Ensino”, adotado pelo educandário, estabeleceu uma parceria com a plataforma Árvore Livros em 2020, disponibilizando todo o acervo dessa plataforma digital aos alunos da rede. [2] Todos os jogos utilizados durante esta etapa foram programados por nós em formato de slides no Microsoft PowerPoint. Durante as dinâmicas, as telas foram sendo projetadas via Google Meet. Os alunos interagiam e indicavam suas respostas através do chat ou ligando e falando com seus microfones. [3] Em 2020, foi concedido ao jogo Among Us, da InnerSloth, o prêmio de melhor game mobile de 2020 no The Game Awards. Fonte: https://thegameawards.com/ Acesso em 13 de jan. 2021.

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